4."Parentalidade"

“PARENTALIDADE” 

 O que é parentalidade? É a relação que liga os pais a seus filhos, tudo que é referente a ser pai e mãe; a prática própria da função de pai e mãe. Dito assim, parece muito simples, mas está para ser criada tarefa mais complexa e desafiadora do que ser pai e mãe. 

A relação parental é única e com características muito peculiares que a distinguem de qualquer outra relação. Antes de tudo, há que se ter vocação, um dom natural, uma certa habilidade. Porém, só vocação não é suficiente. 

Ninguém nasce pronto para ser pai ou mãe e nem todo mundo nasceu para ser pai ou mãe. Ou seja, grande parte das pessoas, até como parte do seu desenvolvimento humano, vai buscar em algum momento uma relação estável e, eventualmente, a constituição de uma família. O desejo de ter filhos, não torna ninguém automaticamente apto a ser pai/mãe. Concepção é uma coisa, ser pai e mãe é outra muito diferente. Enquanto para a concepção prevalece o aspecto biológico, parentalidade é regida pelos aspectos cognitivos (entendimento da função), morais (valores), afetivos (vínculo), emocionais (sentimentos) e psicológicos (personalidade, estrutura psíquica de cada um). Essa diferença entre concepção/ter filho e o que significa ser pai/mãe, ocasiona com frequência “desencontros”, descompassos, mal-entendidos, grandes frustrações e, por vezes, até ressentimento para aqueles que tem filhos sem estarem preparados. 

A verdade é que ser pai/mãe sempre resulta de uma escolha, desejada ou não, consciente ou inconsciente, planejada ou não de trazer uma criança para sua vida. E detalhe: PARA O RESTO DA SUA VIDA. Isso implica uma mudança de estilo de vida, radical e permanente, da qual muita gente não tem ciência, pelo menos, a princípio. Consequentemente, ser pai e mãe pode não ser só difícil, mas também sofrido e penoso para quem não está preparado. O que é uma lástima, porque administradas e superadas as dificuldades, há uma infinidade de prazeres inigualáveis em ser pai ou mãe!!! 

Pois bem, eis me aqui, pai ou mãe, sem ter me preparado para isso, padecendo para dar conta de criar o meu filho... Como fazer, então? Não tem nenhuma poção mágica que possa desfazer o “pedido”, nem tornar tudo maravilhoso num clique. Porém, o entendimento da condição parental e das suas implicações ajuda a simplificar a vida, a diminuir o sofrimento e a despertar para os prazeres dessa escolha. Há alguns pontos básicos e irrefutáveis que, por mais que nos custe, tornam tudo mais fácil quando os aceitamos. É porque é. Ao invés de lutarmos contra, melhor lidarmos com os fatos. Simples assim. 

Primeiro, nós deixamos de ser a pessoa mais importante da nossa própria vida quando temos filhos. A questão não é se isso é justo ou não, simplesmente é. Nos primeiros anos de vida, toda criança é absolutamente dependente dos cuidados dos seus pais para atender suas necessidades mais básicas. É a mais pura questão de sobrevivência. Eu tenho um “mantra” que procuro repetir para mim mesma – e já partilhei com muitos pais de pacientes- que me ajuda a focar no que interessa, quando estou cansada, sem paciência ou estressada: “problema meu, quem mandou eu querer ter filho?!!!” Pronto, redireciona o meu foco rapidinho. 

Segundo, a relação entre pais e filhos é desigual por natureza. Nós sempre vamos dar muito mais do que jamais receberemos de volta. Como ser pai/mãe nasce num desejo de ter alguém para cuidarmos, parece redundância o que acabei de dizer. Porém, alguns pais têm expectativas equivocadas em relação a isso: esperam e, por vezes, cobram reconhecimento, gratidão, retribuição. Não nos cabe esperar por nada disso e tais expectativas podem desgastar a relação. Por outro lado, reconhecimento, gratidão e retribuição, naturalmente acontecem, a seu tempo, quando desempenhamos bem nosso papel... 

Terceiro, essa relação precisa ser estabelecida dentro de uma hierarquia: pais precisam ser autoridade! Muita gente confunde autoridade com autoritarismo. Autoritarismo envolve imposição, intransigência, intolerância, desrespeito, força, hostilidade, privação e opressão. Autoridade é muito diferente! Autoridade envolve responsabilidade, liderança, domínio, direcionamento, contenção, discernimento, critério, respeito, proteção e segurança. Pai e mãe devem ocupar o lugar de pai e mãe. Confunde-se, e confunde a criança, quem acredita que, antes de tudo, precisa ser amigo de seus filhos. Amigos, sim, mas não antes de tudo. Precisamos, antes de tudo, sermos pai e mãe dos nossos filhos! Enquanto estiverem crescendo, é isso que buscam em nós: referência. Mais tarde, quando já crescidos, adultos e autônomos, a amizade acontece de forma espontânea, quando atendemos suas necessidades adequadamente. 

Quarto, precisamos ter domínio e controle dentro dessa relação. E eu sei, essa é uma missão difícil, afinal, somos humanos, temos nossas próprias limitações... Porém, dentro do que é humanamente possível, deveríamos manter o controle da situação. Somos adultos, supostamente mais maduros, provavelmente mais experientes, deveríamos servir de modelo, demonstrar como lidar com desafios e conflitos. Para tanto, manter a calma, não tomar o que é dito de forma pessoal e focar no comportamento de forma objetiva (“o que eu quero ensinar?”), costuma ajudar na manutenção desse controle. 

Quinto, há que se exercitar resolução de conflito SEM raiva. Duplo desafio! Pessoas em conflito vão experimentar raiva, revolta, hostilidade e indignação em graus variáveis. Inevitável. Entretanto, é importante esperarmos a raiva passar para resolvermos o conflito! Com raiva, não nos expressamos direito e não ouvimos direito, a capacidade de comunicação e entendimento fica limitada. Por isso, é recomendável estabelecermos como condição que não há conversa enquanto nossos filhos e/ou nós mesmos estivermos alterados. 

Sexto, limite e contenção são necessidades tão essenciais quanto amor e carinho, portanto, o pai/mãe precisa saber quando dizer “não”. O não quando aplicado de forma coerente, conforta. O limite dado pelos pais serve de precursor do que; mais tarde vai se chamar auto-controle. Para desenvolver auto-controle a criança precisa, antes, vivenciar o limite e o controle externos estabelecidos pelos pais: “pode ou não pode”. Essa vivência, repetida muitas e muitas vezes, ajuda a criança a aprender como o “mundo funciona”, até que essas regras sejam internalizadas e elas próprias possam administrar os limites. 

Sétimo, rotina é o primeiro passo para que as crianças adquiram independência e autonomia. Se o que queremos é que nossos filhos, no futuro, tomem conta das suas coisas e gerenciem a própria vida, então, é melhor criarmos uma rotina para eles e sermos fiéis a ela. O dia-a-dia dos adultos e o das crianças são e devem ser diferentes, portanto, as crianças não podem acompanhar o ritmo dos seus pais. Nos primeiros anos de vida, as atividades relacionadas com desenvolvimento e educação são as suas prioridades. A rotina deve ser organizada em função dessas prioridades: alimentação, sono, higiene, saúde, tempo em família e escola. O sono tem um grande efeito regulador de crescimento, apetite, humor, energia, aprendizado, etc. Crianças precisam dormir cedo e acordar cedo para terem as funções do seu corpo e mente restabelecidos. Pais que entendem a necessidade e seguem uma rotina, ajudam a criança a desenvolver, gradualmente, a independência. Através da repetição e previsibilidade dos eventos, aos poucos e com amadurecimento, as crianças vão assumindo seus próprios cuidados. Por exemplo, a criança que sabe que chega em casa da escola e, todo dia, a primeira coisa que faz é tomar banho, tende a assumir mais cedo e naturalmente essa função do que uma criança que, ao chegar em casa, num dia toma banho, noutro vai brincar, noutro vai sair e assim por diante. 

Oitavo, as crianças costumam ser bem mais cooperativas quando os pais têm uma disciplina coerente e consistente. Regras e contingências claras ajudam as crianças a modularem seu comportamento. Não basta só dizer o que elas não devem fazer, mas também ensinar o que deve ser feito. Com frequência crianças não fazem a coisa certa porque não sabem o que é a coisa certa. E mais, temos que reconhecer e valorizar quando elas fazem o que se espera que elas façam! Alguns pais equivocam-se ao achar que, quando suas crianças fizeram a coisa certa, não estavam fazendo nada mais que sua obrigação. Isso pode ser até verdade lá pelo final da adolescência, mas até lá, cabe a nós sinalizarmos o que deve ser feito, valorizando quando eles fazem o certo. 

Nono, valorizar e respeitar as próprias regras. Resumindo: nunca dizer algo que não estejamos dispostos ou preparados para cumprir. Alguns pais reclamam e brigam muito, mas acabam cedendo às pressões dos filhos. Pode ser útil anteciparmos potenciais situações de conflito, para conversarmos e refletirmos sobre formas de lidarmos com elas. Quando estamos convictos do que estamos fazendo, fica mais fácil de sermos firmes. O reverso, muito discurso e muitas ameaças não cumpridas (“faz para você ver” e a criança faz, mas nada acontece, por exemplo), nos colocam em descrédito. 

Décimo, supervisão é uma tarefa árdua, mas imprescindível. É preciso dar uma ordem e ficar por perto para garantir que ela seja cumprida. É preciso saber quem e como são os amigos dos nossos filhos, assim como os pais desses amigos. É preciso que estejamos inteirados das atividades da escola e que estejamos em contato com a escola. É preciso que saibamos onde e com quem nossos filhos estão e, até certo ponto, o que estão fazendo. Na minha experiência clínica, percebo uma certa confusão entre liberdade e falta de supervisão. Liberdade é algo a ser conquistado na medida em que as crianças se mostram capazes de administrar as situações. Para saber disso, pais precisam acompanhar seus filhos de perto. A falta de supervisão, com frequência vem justificada com o argumento de que o filho já tem idade para isso ou aquilo. Embora idade seja um critério a ser usado, não é o único para atestar competência. Maturidade, personalidade, habilidades pessoais e recursos psicológicos de cada criança também devem ser levados em conta. 

Décimo primeiro, a maioria dos pais preocupa-se em passar valores para seus filhos, tais como respeito, honestidade, consideração, solidariedade, compaixão, lealdade, amizade, confiabilidade, enfim, todos os valores que os tornem boas pessoas. Acredito que a melhor forma de ensinar valores seja através da vivência que proporcionamos aos filhos dentro da nossa família. O discurso sobre o tema e a explicação sobre os conceitos são válidos. Porém, exigem um certo grau de desenvolvimento cognitivo e amadurecimento psicológico que só as crianças mais velhas terão. O ideal é que se passe os nossos valores desde cedo, num período em que a linguagem não verbal é melhor entendida do que a verbal. Consequentemente, a forma como interagimos com nossos filhos e o exemplo de comportamento que damos a eles ensinam mais do que o discurso. 

Décimo segundo, psicoeducação é uma ferramenta poderosa. Ler e informarse sobre as fases de desenvolvimento humano ajudam muito a entender as crianças, amenizar nossas angústias e aumentar nossa competência. Quantas coisas “normais” para uma certa idade podem deixar pais inexperientes ou desinformados aflitos? Por outro lado, falta de informação pode contribuir para certas escolhas dos pais que podem acarretar em prejuízo para os filhos (uso prolongado de mamadeira, por exemplo). Informação é luz! Hoje em dia, qualquer pessoa consegue ter acesso a informações científicas com facilidade pela internet. Tendo o cuidado de atentar para buscá-las em fontes confiáveis, pode-se obter informações sobre qualquer tema. Na dúvida, também pode-se consultar educadores e profissionais de saúde para esclarecimentos. 

Décimo terceiro, manter um diálogo franco, respeitoso e permanentemente aberto. Perguntar, orientar, atentar e ouvir. Escutar o que nossos filhos querem dizer e o que eles querem saber é vital. Escutar para poder proteger e orientar. Aceitar sermos questionados, reconhecer erros, pedir desculpas, fazer diferente numa próxima vez e aceitar ajuda deles, também é importante. 

Por fim, mas não menos relevante, vem todas as coisas boas associadas a parentalidade. Dar atenção em quantidade e qualidade apropriadas; muito amor e carinho, verbalizado e demonstrado; tempo juntos para brincar, fazer uma atividade, bater papo e dar risada. Tantas coisas positivas que dão à criança um senso de valor e importância, que fazem com que se sintam amadas e apreciadas, que contribuem para o desenvolvimento de uma boa auto-estima. Tantas coisas que nos gratificam, nos comovem e nos alegram pela nossa condição de pais. 

Pai e mãe. Palavras pequenas. Pequenas demais para tanto significado...Não tão simples assim.

Marcela Alves de Moura – 30/05/2015

 

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Dra Marcela Alves de Moura Especialista em Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria. Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica - Washington State University - EUA

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