Palavras Vazias - Marcela Moura

PALAVRAS VAZIAS

 

No meu trabalho uso muitas ferramentas. São anos de estudo e treinamento para aprender a desenvolver algumas habilidades de forma que se tornassem instrumentos do meu trabalho, tão sensíveis quanto um bom estetoscópio...Duas ferramentas são imprescindíveis, sem elas não consigo nem começar a trabalhar: OUVIR E OBSERVAR. Ouço e observo com muita atenção meus pacientes, os ambientes, as pessoas, as interações, os eventos, as reações...

 

Nos últimos tempos tenho percebido o que parece ser um fenômeno social, quase epidêmico. Observo uma certa tendência de pessoas usarem palavras, aparentemente sem saber seu significado... Talvez dizer coisas nas quais não acreditam realmente... Ou não atentarem para o fato de que o que vivem não é coerente com o seu próprio discurso... Palavras vazias, que não se sustentam com um testemunho de vida... Pode não ser intencional... Na verdade, acredito que os indivíduos que fazem isso não estejam conscientes dessa dissonância entre seus comportamentos e suas palavras... Por isso mesmo, pregam eloquentemente, convencidos de que estão certos, mas sem perceber seu olhar cheio de censura e julgamento sobre os outros...

 

Hoje em dia, é relativamente comum ouvir pessoas falarem de empatia, mas é difícil ver alguém efetivamente exercitá-la! Empatia, significa comover-se e colocar-se na situação do outro, imaginando como a outra pessoa se sente diante de uma situação difícil. Escuta-se também as pessoas seguidamente falarem em Deus, amor, compaixão. Mas as pessoas parecem não perceber o momento sutil em que Deus ou a vida chama para concretizarem esse amor num gesto fraterno! Compaixão, que é a comoção com o sofrimento alheio e o desejo sincero de tentar minimizá-lo de alguma forma, parece estar em falta naquilo que faz de fato o convívio entre as pessoas mais benevolente...

 

Todo ser humano é passível de vulnerabilidades: um momento difícil, um dia ruim, uma escolha errada, um comportamento impróprio, algo que não deveria ter sido dito, um deslize... As crianças e jovens, que estão aprendendo a viver, mais ainda! E alguns, aprendem com mais dificuldade! Nós adultos temos muito a ensinar, não só aos nossos filhos, mas a todas as crianças; inclusive ensinamos com o nosso exemplo de como lidamos com a dificuldade do outro! Quando há um conflito entre crianças, ou uma criança passa por um momento difícil na escola, ou a história pessoal e o diagnóstico de um colega se revela, pode ser uma grande oportunidade de ensinarmos sobre empatia, tolerância, respeito, compaixão!!!!!

 

Eu trabalho com jovens há 30 anos, testemunho o tanto de adversidades que crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos precisam enfrentar todos os dias e o grande esforço que fazem para superá-las; eles merecem respeito e consideração! Pelo menos tanto quanto qualquer outra pessoa...

 

Porém, eu acompanho esses jovens e suas famílias em muito desses momentos de adversidade. Como médica eu observo, como ser humano eu me comovo, com a enxurrada de comentários preconceituosos de que algumas vezes eles são alvos... Pense qualquer situação em que ocorra um comportamento impróprio entre crianças (empurrão, não deixar um colega participar de uma brincadeira, chamar de chato) ou entre adolescentes (discutir, xingar).  Inquestionável que precisa ser adequadamente abordada pela escola e pelos pais, mas ainda assim, é consideravelmente comum acontecer em qualquer lugar do mundo! Não raro, se tem um jovem com transtorno envolvido, rapidamente o julgamento começa: “aquele(a) menino (a) que tem esse ou aquele problema”, “como pode?” ; “isso é falta de diálogo”, “isso é falta de Deus”,  “isso é falta de cuidado”, “é filho de pais separados”,  “isso é porque a mãe trabalha fora”, “os pais não fazem nada”... Sem contar as soluções simplistas que sempre aparecem: “é só conversar...”, “é só dar colo...”, “é só dar umas chineladas...”

 

Se for num grupo no WhatsApp, então!!!! É impressionante como rapidamente as pessoas acham que sabem tudo a respeito da situação dos outros!!! É um ataque corrosivo. Em minutos, as pessoas acham que têm o direito de comentar, discutir e expor a vida particular dos outros, muitas vezes, tudo baseado em meias-verdades- escutam um pedaço da história, o resto elas completam irresponsavelmente! Falam baseado em suposições, que nem mesmo correspondem à realidade, gerando fofocas e boatos que podem comprometer ainda mais o bem-estar de alguém que já está sofrendo. Parecem não pensar que estão falando de outros seres humanos, com sentimentos, em dificuldade... É chocante que as mesmas pessoas que costumam mandar mensagens de cunho religioso ou evocando a Deus com frequência, no instante seguinte caem com palavras duras e impiedosas de julgamento sobre a criança/jovem e sua família. E é nesses momentos que eu paro para me perguntar: Onde está a empatia? Onde está a compaixão? Onde está Deus?

 

Certamente hão de existir, mas bem longe dessas conversas cheias de palavras vazias e corrosivas... Estão nos corações quentes e acolhedores daqueles que conseguem se manter imunes a essa epidemia social.

 

Marcela Moura 01/07/19

 

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Dra Marcela Alves de Moura Especialista em Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria. Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica - Washington State University - EUA

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