3. Negligência, o Reverso da Superproteção

NEGLIGÊNCIA, O REVERSO DA SUPERPROTEÇÃO 
 
Superproteção e negligência são pontos extremos de um mesmo contínuo: supervisão parental.  De um lado o excesso de cuidado, de outro a falta dele, ambos trazendo prejuízo para o desenvolvimento da criança.  É bem provável que as pessoas consigam se reconhecer superprotetoras mais facilmente do que negligentes, uma vez que parece haver um julgamento social maior sobre a negligência. No entanto, qualquer bom pai ou boa mãe pode, eventualmente, por força de “n” circunstâncias, acabar negligenciando alguma necessidade do filho, sem maiores consequências. O problema passa a existir quando negligência constitui um padrão dentro da dinâmica familiar.  
Embora seja a forma mais prevalente de maus-tratos (Assumpção Jr & Curátolo, 2004), na prática é bastante difícil identificar negligência, caracterizada por “não –satisfação”, de forma intencional ou inadvertida, das necessidades físicas, emocionais ou educacionais indispensáveis para o bemestar da criança. Assim, é mais fácil identificar o excesso, do que a falta (deixar de fazer algo que precisava ser feito).  Na prática de consultório, raramente vê-se pais maldosamente negligentes, uma vez que pais negligentes não procuram ajuda profissional. No entanto, é bastante frequente a consulta de bons e bem intencionados pais que, sem ter ciência da sua falha, acabam sendo negligentes, principalmente quando o assunto é limite e contenção.  
Nós vivemos num mundo de oportunidades, de muitas ofertas de bens e divertimento, onde as crianças são estimuladas, convidadas, incitadas e desafiadas a fazer, querer, ter o que seus pares fazem, querem e tem. Cabe aos pais avaliar, permitir ou coibir, dependendo daquilo que acreditam ser o correto e o melhor para seu filho. Quando dito assim, parece tarefa muito simples, mas na prática, é onde se iniciam muitos dos conflitos entre pais e filhos. E é por causa desse potencial de conflito que muitos pais preferem ceder, olhar para o outro lado, não valorizar, não interferir e outros tantos comportamentos que traduzem uma escolha pela OMISSÃO. Cedo na infância, logo que adquire mobilidade (engatinhando ou caminhando) e amplia sua capacidade de comunicação (apontando, balbuciando ou falando), a criança ganha asas para explorar o mundo e, consequentemente testar limites. São os primeiros passos para aquisição de independência e autonomia. Nesse processo, as crianças precisam passar pela mesma situação várias vezes para que possam assimilar a regra e, por isso, é importante que a regra seja repetida consistentemente várias vezes. Dito desta forma, teimosia também faz parte do desenvolvimento normal. No entanto, uma criança mais voluntariosa, de temperamento mais desafiador e, com certeza, crianças com problemas de comportamento, vão precisar que essas regras sejam repetidas ainda mais vezes, com mais clareza, mais consistência e mais firmeza. Nessas situações (choro exacerbado, gritos, chutes, birras, “escândalos” em público) é que, com frequência, pais cansados, constrangidos, perdidos ou intimidados acabam por ceder ou deixar de fazer. Mais tarde, na adolescência, na busca da sua própria identidade e com novas investidas rumo à independência e autonomia, os limites voltam a ser testados com mais veemência. Conflitos entre pais e filhos na adolescência são comuns e, até certo ponto, fazem parte do desenvolvimento saudável. Porém, naquelas famílias onde a hierarquia, as regras, as responsabilidades e, talvez, alguns valores não tenham ficado solidamente estabelecidos, os conflitos podem sair de um padrão adequado ou tolerável. Nessas circunstâncias, de novo é possível encontrar pais desgastados, abalados, assustados, confusos e percebendo-se impotentes, que acabam escolhendo - ou sucumbindo - a omissão, o deixar de fazer.  
Agosto 2012 -  Marcela Alves de Moura – Negligência, o Reverso da Superproteção  
Educação e supervisão andam lado-a-lado, é através da supervisão que identificamos os momentos de educar, ou seja, de agir. Nem sempre o pai precisa intervir, porém, precisa estar atento e pronto para a possível necessidade de uma intervenção. Além disso, a intervenção não precisa ser sempre imediata podendo, algumas vezes, resumir-se a uma conversa ou uma orientação num momento ulterior ao evento observado. Porém, um pai que se posiciona estritamente como espectador e não como participante ativo da educação dos seus filhos, pode, mesmo que não tenha a intenção, estar agindo de forma negligente (De Salvo, Silvares & Toni, 2005). Educar pressupõe “pró-atividade”, uma iniciativa, um investimento de tempo e energia, assim como uma preocupação, um desgaste, um desconforto. Disciplinar coerente e consistentemente talvez seja a faceta mais árdua e mais inglória do grande desafio de sermos pais. No entanto, limite e contenção são necessidades tão essenciais e imprescindíveis quanto o alimento ou o amor para o desenvolvimento saudável dos nossos filhos. Assim sendo, cabe a nós encontrarmos o ânimo, a energia, a força e o caminho para garantir que não falte amor, carinho, alegria, mas também limites na educação que oferecemos para eles. 
 
 Marcela Alves de Moura – Agosto 2012  
 

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Dra Marcela Alves de Moura Especialista em Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria. Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica - Washington State University - EUA

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