8. Educar Uma Criança é um Processo

EDUCAR UMA CRIANÇA É UM PROCESSO

 

Educar uma criança é um processo, portanto, implica tempo, etapas, evolução, "deslocamento de um ponto ao outro". Não é algo estático, que se faz uma vez e, pronto, está feito! Pelo contrário, é dinâmico, muito dinâmico, com muitas repetições sobre um mesmo tema, até que a criança assimile o que precisa ser aprendido. O mesmo assunto precisa ser apresentado muitas vezes, sob muitas perspectivas diferentes, em várias circunstâncias diferentes, em vários estágios da vida diferentes, até que os conceitos sejam entendidos plenamente. 

Isto vale desde o aprendizado mais simples - cadeira, o que é, a palavra, o objeto, para que serve, etc - até os mais complexos: o que é certo, errado, justiça, empatia, ético, e assim por diante.  

Portanto, quem se dispõe a ter filhos, há que se preparar para uma tarefa de longo prazo, que exige paciência, persistência e criatividade. Precisa também uma visão realista da tarefa em si, e de qual é o seu papel dentro desta grandiosa e prolongada tarefa. No meu trabalho com pais no dia-a-dia de consultório, percebo muita frustração. Parte dela, muitas vezes, é em função dos transtornos que trouxeram a família para a consulta psiquiátrica. Parte da frustração, entretanto, decorre de expectativas que subestimam o tanto que é preciso investir para educar uma criança!!!

É inegável que ser pai e mãe é maravilhoso, satisfação inigualável, é surreal! É fato que a vivência do amor entre pais e filhos permite um amor único, genuíno, puro, sublime. Ser pai e mãe, para aqueles que têm vocação, que desejam, é extraordinária realização! 

Porém, parentalidade vem embutida de uma boa parcela de atribuições e responsabilidades, com  demandas, por vezes grandes, a curto e a longo prazo, das quais pais precisam estar cientes, e para as quais precisam estar preparados para que possam levar a vida de pais com mais leveza... 

Várias são as expectativas subestimadas, gerando surpresa, frustração e até revolta em alguns pais. A primeira expectativa subestimada já foi mencionada, é a do tempo de aprendizado. Aprender leva mais tempo do que os pais imaginam, o que faz com que alguns pais se frustrem, esperando que crianças tenham condições de entender e cooperar antes delas realmente terem adquirido competência para tal. 

Crianças seguem num longo caminho de entendimento do certo e errado, regras, convenções sociais, princípios éticos, senso crítico, justiça, discernimento, valores morais e de todas as ferramentas que, finalmente, as possibilitarão fazer o que a sociedade denomina "boas escolhas".  Nesse caminho, vão se acumulando componentes do desenvolvimento físico - neurológico, mental-cognitivo, psicológico-emocional, moral e social.

Até os 7 anos de idade, do ponto de vista cognitivo, o pensamento das crianças é ainda muito concreto, o entendimento de conceitos abstratos começa a acontecer depois dos 7 anos e, de uma forma mais abrangente e profunda, depois dos 11 anos. Portanto, por volta dos sete anos, a maior parte das crianças já sabe o que é certo ou errado na maioria das situações. Todavia, o pleno entendimento do porquê disso, só acontece mais tarde- a partir dos 14-15 anos - quando o desenvolvimento cognitivo já aconteceu, e o desenvolvimento moral se intensifica. 

A segunda expectativa equivocada é esperar que o entendimento per se fará a criança comportar-se bem. Não necessariamente. As crianças precisam entender as regras para que possam ser internalizadas. Em principio, as regras são externas: vindas dos pais. As crianças não sabem instintivamente como o mundo funciona, seus pais é que vão ensinar e modelar- dar o exemplo- como é. Para isso, precisam repetir as regras, muuuuuuitas vezes, de forma coerente e consistente (regras externas) até que as crianças assimilem (internalização das regras) e os pais não precisem estar mais lá para repetir para elas; as próprias crianças lembrarão sozinhas.

A terceira expectativa enganosa é  acreditar que, como pais, sempre passam bem as suas regras. Pais, com frequência, são pouco claros, inconsistentes (fazem e desfazem) e até são contraditórios. Por consequência, algumas das vezes em que as crianças não estão obedecendo, a falta de obediência pode não ser resultado de desobediência, teimosia, ou falta de entendimento das crianças, mas sim, baixa eficácia dos pais no apresentar e implementar as regras. Ou seja, as crianças não estão desobedecendo, elas simplesmente não estão fazendo porque não entenderam o que deveria ser feito, porque faltou clareza na ordem dada pelos pais.

Além disso, pais costumam ser muito bons em verbalizar o que não fazer, mas se esquecem de indicar e orientar o que esperam que seja feito. Esse é um ponto importante, especialmente para as crianças menores. Para algumas crianças, dependendo da idade, da maturidade, personalidade ou do grau de autonomia, pode ser relevante dizer não só o que deve ser feito, mas também como se espera que seja feito. 

 

Exemplo também é um fator relevante. É preciso ter coerência: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço, não vale! Crianças aprendem muito observando e pais são as maiores referências para elas. Inicialmente, crianças pequenas dependem muito de seus pais, física e emocionalmente, por uma questão de necessidade e sobrevivência, elas vivem muito focadas em seus pais, demandando muita atenção, mas também prestando muita atenção –aprendem muito, até por imitação. A medida que vão crescendo, vão se individualizando, ganhando autonomia, mas pais continuam a ser modelos. Crianças também desenvolvem afinidades e encontram aspectos em que se identificam com o pai ou com a mãe. Pais, querendo ou não, servem de espelho e de modelo.

A auto-regulação de impulso é outro aspecto importante e que também precisa de muito tempo para a criança adquirir por completo: só depois dos 20 anos! Quando nascemos, a regulação de emoções e impulsos se dá por uma região bem central do sistema nervoso- sistema límbico e amídalas - que controlam essas funções de uma forma muito primária e rudimentar. A partir dos 20 anos de idade, há o desenvolvimento do córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pelo senso crítico e discernimento, que capacita, então, a um melhor controle de impulsos uma tomada de decisões mais criteriosa.

 

Complexo, gradual e multifatorial. O amadurecimento neurológico, associado a aquisições da área cognitiva (aprendizado  de conceitos abstratos), do desenvolvimento moral (que ocorre depois dos 12 anos) do amadurecimento emocional e psicológico (tolerância à frustração, habilidade para lidar com emoções) possibilitam que o jovem, então, adquira uma capacidade maior para fazer tomada de decisões e resolução de problemas.
 

Entender a complexidade e o tanto de tempo que exige para que uma criança possa aprender todos esses processos, é ponto fundamental para que pais sejam mais tolerantes com seus filhos e mais pacientes consigo mesmos!

 

Respirar!

 A cada tanto, dar dois passos para trás, com frequência é necessário.

Achar caminhos alternativos, inevitável.

Buscar novas formas de dizer a mesma coisa, é primordial.

Brandura para reprender.

Compaixão para perdoar.

Força para recomeçar, sempre.

Confiança para incentivar.

Responsabilidade para orientar.

Amor para cuidar.

 

Marcela Moura –Setembro 2018


 

 

 

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Dra Marcela Alves de Moura Especialista em Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria. Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica - Washington State University - EUA

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