15. A COMPLEXIDADE DA DINÂMICA FAMILIAR QUANDO OS FILHOS TÊM PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO

A COMPLEXIDADE DA DINÂMICA FAMILIAR QUANDO OS FILHOS TÊM PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO

 

Trabalhando com famílias há muitos anos, eu percebo que pacientes com problemas comportamentais severos, independentemente do seu diagnóstico primário, costumam ter um denominador comum: uma significativa desestrutura familiar.

 

São lares que carecem de uma sólida organização da estrutura familiar. Não há uma relação hierárquica estabelecida entre pais e filhos, muito menos a necessária autoridade paterna e materna. Inexiste uma definição explícita dos papéis de cada um dentro da família e não há uma divisão clara das funções dos pais e dos filhos. Falta uma explicação simples das expectativas em relação a comportamento e carece de uma orientação objetiva para execução das tarefas. Respeito é desejado, mas não é exigido e o desrespeito é aceito como inevitável. Inexistem reflexões sobre erros, riscos e consequências. Há pouca ou nenhuma supervisão parental e falta cooperação entre os pais.  Existem grandes dificuldades de comunicação entre todos os membros da família.

 

            Além disso, há pouco entendimento e há significativa ambiguidade sobre conceitos imprescindíveis para uma boa convivência. Amor é confundido com atenção, recompensa ou presentes. Gratificação imediata, prazer e satisfação de caprichos são mal-entendidos como felicidade ou alegria. Mimar ou paparicar ou submeter-se a caprichos são entendidos com dar atenção aos filhos. Baixa tolerância a frustração é percebida como necessidade urgente, causando grande desespero aos pais para realizar, seja lá o que for prontamente. Tédio, aquele aborrecimento de não ter o que fazer que acontece com qualquer ser humano, é confundido com tristeza “potencialmente mortal”, algo que não pode acontecer. Desta forma, ao invés de encarar com naturalidade a existência eventual do tédio e encorajar o filho/a filha a lidar com ele, existe essa angústia e cobrança coletiva de que os pais têm que resolver imediatamente o problema!

 

Na prática, o que vejo neste contexto de lares sem regras claras, a ideia de ser firme é confundida com ser bravo. Os pais são bastante inconsistentes, acabam não sendo nada firmes, mas num determinado ponto ficam muito bravos, explodem, carregados de hostilidade, impaciência, de palavras que ferem e até agressividade. Na sequência sentem-se mal, talvez cheios de culpa, vão para o outro oposto, cedem às pressões ou até chantagens dos filhos, tentando compensar, amenizar, e fazem mil agrados. Entretanto, em qualquer um dos dois extremos, RAIVA ou CULPA, perdem o foco do seu papel enquanto pais, quais são as reais necessidades do seu filho ou da sua filha naquele momento, e do que realmente precisa ser feito naquela situação.

 

Outra complicação que acontece é: tentar estabelecer uma relação amistosa, afetivamente próxima, íntima com o filho ou a filha, ser uma mãe ou pai/amigo é muito válido. Porém, é preciso tomar cuidado para que pais não fiquem muito preocupados em ser só amigos do filho/da filha. Pais precisam orientar, tomar decisões, muitas vezes que vão focar nas necessidades e, portanto, contrariar as vontades dos filhos.  Pais muito focados em ser amigos começam a ser confrontados com conflitos de interesses: faço o que devo fazer ou faço o que agrada meu filho/minha filha? Pais muito focados em serem “melhores amigos” antes de serem pais, ficam mais propenso a se omitirem, deixarem de exercer seu papel de pais, filhos ficam confusos sobre o que ele devem fazer ou aprendem o jeito errado de fazer as coisas...

 

Precisamos ser justos alguns momentos tornam realmente difícil para qualquer pai ou mãe definir com clareza o que precisa prevalecer: a necessidade de respeitar e preservar a individualidade ou privacidade do filho/da filha ou a necessidade de atuar, supervisionar, proteger, como pais. Na prática clínica, o que observo, é que nas famílias com dinâmicas mais combativas, pais parecem mais propensos a atuar em dois extremos paradoxais: ou se omitem de atuar como autoridade em momentos que realmente precisam ou são desproporcionalmente invasivos. Minha hipótese é que isso talvez aconteça porque esses pais costumam estar sempre muito estressados e frustrados, movidos a ressentimento e hostilidade, o que pode comprometer a sua tomada de decisões.

 

Nesses lares com estrutura familiar comprometida, a necessidade de ter obrigações é confundida com punição, de tal forma que, às vezes, filhos são dispensados de cumprir alguma obrigação como uma forma de receber um agrado dos pais. Nessa mesma linha de pensamento, contenção ou limites são, com frequência, passados como um castigo e não uma necessidade. Essa ideia, em particular, parece-me muito perturbadora, afinal, aquisição de auto-controle é uma das ferramentas mais importantes a serem adquiridas por qualquer indivíduo. É um processo complexo que acontece de forma gradual ao longo do desenvolvimento. A aquisição de auto-controle começa com contenção externa, com pais estabelecendo regras e limites claros, de forma consistente, até que a criança internalize as regras e desenvolva o seu próprio auto-controle.

 

Esse desorganizado sistema familiar pode não ter uma relação direta na etiologia do transtorno que a criança ou jovem apresenta, mas com certeza reúne uma série de fatores que complicam e agravam os quadros psiquiátricos, além de dificultarem a resolução de conflitos e problemas e, muitas vezes, atrapalharem a implementação de estratégias de tratamento. Por isso que a abordagem familiar é muito importante no tratamento de crianças e adolescentes. Adicionalmente, algumas vezes, faz-se necessários que pais e mães procurem o seu próprio tratamento, para que possamos fazer progressos no tratamento dos filhos.

 

 

Marcela Moura 01/11/20

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Dra Marcela Alves de Moura Especialista em Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria. Mestrado e Doutorado em Psicologia Clínica - Washington State University - EUA

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